HD #005 – “Enshitification” de Plataformas

Categories: Internet, Redes Sociais

Olá!

Seja bem-vindo à quinta edição da Horizonte Digital, onde exploramos as fronteiras da tecnologia e suas implicações na nossa sociedade digital. Hoje, vamos mergulhar em um tema provocativo e essencial para entendermos a evolução (ou involução) das plataformas digitais: a teoria da “Enshitification” de Cory Doctorow.

Há algum tempo que eu queria escrever sobre esse assunto e fiquei receoso devido ao nome da teoria, que não tem tradução direta, que você pode entender o seu radical “shit” no Google Translator.


A Ascensão e Queda das Plataformas Digitais

As plataformas digitais, sejam redes sociais ou marketplaces, começaram como facilitadoras de conexões genuínas, oferecendo espaços para trocas de ideias, negócios e entretenimento. No entanto, conforme crescem e se tornam monopolistas em seus nichos, muitas delas começam a priorizar lucros e eficiência em detrimento da qualidade e da experiência do usuário. É aqui que entra a “enshitification.”

O que é a “Enshitification”?

Cory Doctorow descreve a “enshitification” como um ciclo inevitável onde plataformas que antes eram inovadoras e centradas no usuário se transformam em máquinas de lucro, perdendo sua essência original. Este processo envolve a deterioração da qualidade do serviço, o aumento de práticas invasivas de coleta de dados e a priorização de conteúdo que maximiza engajamento (muitas vezes, à custa da verdade e do bem-estar do usuário).

Eu mesmo já caí em uma venda falsa de um smartwatch que nunca chegou aqui em casa. Pelo menos o prejuízo foi bem pequeno, cerca de R$ 100,00. Sempre duvide de vendas na internet por menos de 50% do valor original ou ofertas muito “tentadoras”. A rede social ou marketplace não fazem simplesmente NADA para combater esse tipo de prática.

Mas como isso acontece?

Primeiro as plataformas precisam ganhar usuários, aos milhões. Elas são intuitivas, fazem até propagandas na TV e no Youtube. Fazem você viralizar até sem querer… Te ajudam a achar amigos da escola, do bairro e da cidade onde você morou quando era pequeno. Em pouco, toda a sua rede conhecida está conectada a você nessa rede social. Sair dessa rede é bastante custoso pois todos os seus amigos e conhecidos estão lá. Esse é o 1º lock-in.

Depois, essa rede começa a te mostrar anúncios e posts impulsionados. Os seus próprios posts já não viralizam mais e nem todos os que te seguem veem mais o que você posta. Elas convencem grandes marcas a criarem suas páginas e começarem a anunciar. Afinal, todos os seus clientes estão lá. Esse é o 2º lock-in.

Então as plataformas são pressionadas a darem lucro aos seus acionistas, e isso inclui o que já descrevi acima: diminuir a visualização de posts para que você, que cria conteúdo e/ou trabalha na plataforma tenha que pagar mais para anunciar e mostrar mais seu trabalho. Você também tem que pagar para ser um criador “verificado”, para dar mais credibilidade ao seu perfil.

Marcas e comerciantes precisam pagar taxas, anúncios, impulsionar posts e direcionar seus links para outros estabelecimentos, que também cobram por isso. As vezes as marcas tem que recorrer a criadores de conteúdo daquela mesma rede, pagar por uma “publi” e atrair potenciais clientes para seu próprio perfil.

Ao final de alguns anos estão todos “trancados” e o custo de sair daquela rede é demasiado grande para começar do zero em outro lugar. Esse é o 3º lock-in: ninguém sai porque tá todo mundo lá, mas a experiência é ruim, as propagandas cada vez mais numerosas e de pior qualidade e um algoritmo duvidoso que explora sua fisiologia (liberação de dopamina).

Me lembro quando o Instagram começou a entregar menos o conteúdo de perfis abertos e de creators, além de aumentar para 2 stories de anúncios ao invés de apenas 1. Isso fez com que vários criadores de conteúdo corressem para o TikTok, onde era mais fácil de viralizar e o seu algoritmo era, e ainda é, altamente viciante.

Podemos observar esses sinais de “enshitification” em várias plataformas que começaram como líderes inovadoras. Desde redes sociais que inundam feeds com anúncios até serviços de streaming que sacrificam a curadoria em favor de algoritmos que promovem conteúdos genéricos ou controversos. O resultado? Uma experiência de usuário cada vez mais frustrante e superficial para ambos os lados: usuários e anunciantes.

Como Combater a “Enshitification”?

No fim das contas, temos como combater a deterioração e os lock-ins das plataformas?

Quatro alternativas que juntas ou separadas poderiam atenuar os sinais de “enshitification” das plataformas e redes sociais:

  1. Conscientização e Educação: Entender o processo e suas motivações ajuda a criar um público mais crítico e menos suscetível à manipulação digital.
  2. Apoio a Alternativas: Plataformas menores, comunidades open-source e serviços que valorizam a privacidade e a qualidade são essenciais para manter a diversidade no ecossistema digital.
  3. Legislação e Regulação: Pressionar por regulamentações que limitem práticas predatórias e promovam a transparência e a equidade nas plataformas digitais.
  4. Site Próprio e Blog: Como dizem por aí, rede social é terreno alugado. Você constrói em cima mas o dono pode vir e tomar o terreno de volta. Para quem é criador de conteúdo, é essencial o backup e ter um site com domínio próprio.

Conclusão

Enquanto navegamos nesta era de constante transformação digital, é crucial reconhecer e entender a “enshitification” para que possamos escolher e apoiar plataformas que permaneçam fiéis aos valores de qualidade, privacidade e respeito ao usuário. Juntos, podemos moldar um futuro digital mais saudável e sustentável.


Fontes para Aprender Mais

  1. Cory Doctorow – “Enshitification”: Cory Doctorow discute o processo de enshitification usando o TikTok como exemplo em seu blog, Pluralistic. Ele explora como as plataformas passam de favoráveis aos usuários para priorizar os interesses empresariais até eventualmente deteriorarem completamente. Visite o blog de Cory Doctorow.
  2. The Verge – Social media is doomed to die: Ellis Hamburger foi repórter do The Verge entre 2012 e 2014 antes de sair para trabalhar no Snapchat. Depois de deixar o Snap em 2022, ele foi trabalhar na The Browser Company. Ellis escreve sobre o que aprendeu durante seu tempo trabalhando para uma das startups de mídia social mais importantes de 2010. Leia o artigo em Inglês no The Verge.
  3. The Heritage – Why Big Tech Companies Continue to Lose Public’s Trust: Annelise Butler pesquisadora da The Heritage Foundation analise e explora a audiência pública no Senado dos EUA sobre “Algorithms and Amplification: How Social Media Platforms’ Design Choices Shape Our Discourse and Our Minds.”. Leia o artigo AQUI.

Sthéfano Cordeiro é LinkedIn Top Voice e Coordenador de Transformação Digital no Banco do Brasil. Possui mais de 10 anos de experiência em tecnologias emergentes como Blockchain, Web3, 5G/IoT e IA, dentro setor financeiro.

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